Não é difícil perceber que a desunião entre as Igrejas cristãs é um escândalo que prejudica a própria pregação do evangelho. Quem vê, de fora, Igrejas em oposição, fica com a triste impressão de que estamos disputando espaço em vez promover o projeto de Jesus. A união faz a força – diz o provérbio bem conhecido. Na mesma proporção a desunião produz fraqueza. Igrejas unidas terão mais condição de promover a paz e a justiça. Estarão, com seu próprio comportamento, gritando ao mundo que a reconciliação, o perdão, a retificação de caminhos são sempre possíveis, quando há abertura para a graça. Mas, ainda que essa razão seja poderosa, temos outra ainda maior para buscar a unidade: Jesus pediu que os seus seguidores fossem um como ele e o Pai são um. Como ignorar tal desejo do Senhor? A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos é um momento especial para colocarmos nas mãos da Trindade nossos esforços e dificuldades no caminho da busca do relacionamento fraterno de Igrejas, superando séculos de uma história de enfrentamento mútuo.
Já o papa Leão XIII tinha pensado em fazer uma novena pela unidade, aproveitando a semana que vai do dia de Ascensão à festa de Pentecostes. Mais tarde a idéia foi muito divulgada por Lewis Thomas Wattson, um anglicano que se tornou católico romano. A proposta de data feita por Wattson era outra: de 18 de janeiro (festa da cátedra de S. Pedro em Roma) a 25 de janeiro (festa de S. Paulo); estariam assim representados nos dois apóstolos estilos diferentes de vivência cristã. Mas, de acordo com a mentalidade católica da época, pensava-se em unidade como retorno de todos os cristãos à Igreja com sede em Roma. Como era de se esperar, tal proposta não foi bem aceita por ortodoxos e evangélicos. Em 1926 o movimento Fé e Constituição, que mais tarde vai estar na origem da formação do Conselho Mundial de Igrejas, lançou um apelo para a realização de uma Semana de Oração pela Unidade, a ser feita nos dias que antecedem a festa de Pentecostes.
Um grande impulso veio também do sacerdote católico francês Paul Couturier a partir de 1935. Mas dessa vez a proposta mostrava uma abertura da parte católica: não se tratava de um retorno ao catolicismo, mas da reunião fraterna de Igrejas, cada uma com a sua identidade. Pe. Couturier dizia: “Que chegue a unidade do Reino de Deus, tal como Cristo a quer e pelos meios que ele quiser!” Essa atitude ficou mais fácil para os católicos depois do Concílio Vaticano II (1962-1965), que reconheceu valores nos então chamados “irmãos separados” e em suas Igrejas, afirmando que a fé comum em Cristo é princípio de comunhão e assumindo a proposta ecumênica que respeita a identidade religiosa do outro.
Para explicar o tipo de ecumenismo que queremos, hoje usamos muito a imagem dos raios de uma roda cujo centro é Jesus. As Igrejas, cada uma no seu raio, ao se aproximarem do centro, ficarão inevitavelmente mais próximas umas das outras. Não se pede conversão de uma Igreja a outra, o que se deseja é a conversão de todas à prática da unidade por amor e fidelidade a Jesus.
A partir de 1968, a Semana é preparada conjuntamente pelo Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos e pelo Conselho Mundial de Igrejas, representado por sua comissão de Fé e Constituição. A data pode variar: na Europa em geral a Semana se faz de 18 a 25 de janeiro; aqui no Brasil preferimos o período que fica entre Ascensão e Pentecostes.
A cada ano pede-se a colaboração mais especial de um país, onde é escolhido o tema e são elaboradas indicações gerais de textos, orações, reflexões. Aqui no Brasil, o texto é recebido pelo CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil) e refeito para se adaptar ao nosso jeito de celebrar.
Para orientar os que vão viver a Semana, o CONIC prepara todos os anos, um livrinho com textos para as celebrações, reflexões, orações e estudos bíblicos dentro do tema. Há um cartaz para divulgar a Semana e um folheto para ser distribuído aos participantes, onde se explicam as linhas fundamentais do ecumenismo que queremos. o CONIC reúne cinco Igrejas como membros plenos: Igreja Católica Romana, Igreja Episcopal Anglicana, Igreja Evangélica de Confissão Luterana, Igreja Presbiteriana Unida, Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia. Outras Igrejas têm-se mostrado favoráveis à causa ecumênica e se tornam parceiras tanto na oração como na ação a favor da paz. Às vezes até uma Igreja que oficialmente não assumiu postura ecumênica tem comunidades onde há abertura para esse trabalho. Aí, é claro, esses novos parceiros são acolhidos na maior alegria.
A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos exige cuidado e delicadeza na sua realização. Quando várias Igrejas oram juntas é preciso conversar antes, ver se o que vai ser feito não causa problemas à sensibilidade religiosa dos participantes. Todos devem se sentir à vontade. Se algum canto, gesto ou oração causa problema para alguma das Igrejas envolvidas, o mais sensato e caridoso é substituir por algo que seja de aceitação comum. O mesmo se dirá a respeito do local de reunião. Isso não é calar a própria identidade: é dar tempo ao tempo, deixar a confiança mútua crescer aos poucos e não pressupor que podemos consertar em uma semana o que levamos séculos estragando. Mas há também situações especiais. Imaginemos que, numa cidade muito pequena, não haja duas Igrejas que já queiram rezar juntas; é possível uma Igreja viver a Semana com seus próprios fiéis, educando-os para o amor aos outros cristãos. O ecumenismo é uma espiritualidade em que se cultivam atitudes que são importantíssimas até para conviver dentro da própria Igreja, na família, no trabalho.
Pentecostes é uma festa que tem tudo a ver com ecumenismo: as pessoas nesse dia não passaram a falar todas a mesma língua, mas entenderam a pregação de Pedro cada uma do seu jeito e se sentiram unidas por um evangelho comum. Bom mesmo será se o espírito da Semana de Oração pela Unidade perdurar e dela nascerem outras iniciativas: grupos conjuntos de reflexão bíblica, festivais de música entre as Igrejas, ações de promoção social realizadas ecumenicamente... e o que mais o Espírito Santo inspirar.
UM POUCO DE HISTÓRIA
A celebração mundial da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos começou na Igreja Episcopal [anglicana], no ano de 1908, em Graymoor, no vale da Rio Hudson, no Estado de Nova York, Estados Unidos. Dez anos antes, Paul James Wattson, clérigo da Igreja Episcopal, fundou junto com Lurana Mary White, também da Igreja Episcopal, as congregações franciscanas que formam a Sociedade de Atonnement, ou seja, da Reconciliação, na Vila Graymoor, perto da cidade de Garrison.
Na sua Igreja, frei Wattson encontrou apoio do Reverendo Spencer Jones, reitor da Igreja na Inglaterra, e conhecido como um autor catequético. Em 1907 o Reverendo Jones sugeriu ao Frei Wattson que deveria se observar um dia de oração pela unidade dos cristãos todos os anos, no mundo inteiro, na festa de São Pedro.
Frei Watsson gostou muito da sugestão, mas recomendou que seria melhor uma "Semana de Unidade Cristã", começando na festa da Cátedra de São Pedro, no dia 18 de janeiro, e terminado na festa de São Paulo, no dia 25 de janeiro.
A Semana da Unidade na Igreja foi celebrada pela primeira vez em 1908, e depois foi chamada "A Oitava de Unidade da Igreja" pelo frei Wattson, já que havia oito dias entre as duas festas.
Atualmente a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos é celebrada por milhões de cristãos no mundo. O decreto sobre o ecumenismo do Concílio, promulgado em 1964, chamou a oração de alma do movimento ecumênico e animou a celebração.
Em 1996, a Comissão Fé e Constituição, do Conselho Mundial de Igrejas, e o Pontifício Conselho pela Unidade dos Cristãos começaram a colaborar na elaboração de um texto comum internacional para uso em todo o mundo.
Desde 1968 estes textos internacionais, baseados em temas propostos por grupos ecumênicos existentes no mundo, são adaptados à realidade dos diferentes países. Aqui no Brasil essa adaptação é feita pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil.
SEMANA DE ORAÇÃO 2010
Neste ano, 2010, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos será realizada entre os dias 16 e 23 de maio e terá como lema “Vocês são testemunhas dessas coisas” (Lucas 24:48). Vale lembrar que as igrejas escocesas também celebram, concomitantemente com a SOUC, o centésimo aniversário da Conferência de Edimburgo, e o tema proposto é semelhante: “Testemunhar Cristo Hoje”.
Adalberto Lima
Vocacionado Diocesano